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Marilena Chauí – Classe Média

October 23, 2012

Effendi

September 19, 2012

Comparar qualquer esfiha com a do Garabed é covardia, por um motivo: eles tem um belo forno à lenha.

E forno a lenha, como a Talitha disse ontem pra mim, é um ingrediente a mais. Concordo com ela. Comida assada no forno à lenha fica com o maravilhoso e aromático gosto da própria lenha predominando.

Saímos eu, minha gripe, senhor a. sua gota e Talitha e sua paciência em uma quinta chuvosa, com trânsito rumo à aquela casa que fica em uma travessa da rua das noivas.

Tudo no Effendi é de verdade. Os azulejos, a balança vermelha, a antiga caixa registradora operada com maestria por Seo Armando.

Pedimos um homus leve, que não estava puxado no alho e veio com pão quentinho pra acompanhar.

Em seguida, as estrelas principais: as esfihas! A massa de todas elas é de uma leveza e sabor incrível.

A de carne tem um tempero que atinge 8.5 na Escala Capricho da Tenda do Nilo e a de queijo com espinafre é equilibrada e muito saborosa, com queijo na medida certa. Interessante como o queijo NÃO impregna na massa.

Uma grande pedida é a esfiha com bastrmá, tipo de carne seca armênia que no Garabed é muito salgado, mas no Effendi é muito gostosa.

Seo Armando é sobrinho do Seo Garabed e está no mesmo endereço há 37 anos vendendo excelentes comida a um preço bem baratinho.
Como saideira pedimos ovos mexidos com bastrmá. Se eu pudesse, faria esse desjejum todos os dias. O senhor a. pegou o telefone da senhora que prepara a carne com o simpático Seo Armando, que forneceu o número sem problemas.

De qualquer maneira, a mais conhecida Garabed tem, como já dito, a vantagem do forno à lenha. Bom é ir aos dois e comparar as esfihas.

E tem também a esfiha da Tenda do Nilo, cujo tempero lembra o beijo de uma mãe árabe e o tempero é maravilhoso como tudo lá.

Não conheço nenhum lugar em São Paulo que faça esfihas tão boas como as dessas três casas.

Mas saindo do Effendi, aproveitamos a pouca distância e fomos finalmente conhecer o falafel da malka (apenas o senhor a. e sua gota conheciam).

O lugar é bem legal. Pé sujo tradiça no primeiro andar de uma antiga galeria na José Paulino.

Infelizmente o falafel estava massudo e o tempero estava a verdadeira festa do cominho. Dona Malka estava repousando, segundo uma funcionária.

A impressão que tive é que enquanto o Effendi envelheceu com muito cuidado e se tornou um grande clássico a Malka se descuidou um pouco e hoje está um tanto largado. Aliás, falafel bom é na Tenda do Nilo.

A conclusão a que chego é que minha esfiha preferida na cidade se vende no Effendi. Chego a salivar só em pensar nela!

Esse post é casado com o do a. do carne crua (lincado no blog) que sintetizou muito melhor nossa agradável tarde.

Sobre coxinhas

September 19, 2012

A coxinha da mãe do Kaká

Pops Augusta, Bar do Kaká, Bar do Raul, Túmulo do Raul. Sejá lá como preferir chamar o lugar, o que realmente importa é a coxinha. A massa, receita de Dona Maria Ideildes, 55 anos, mãe do Kaká, é imbatível. Crocante e fresquinha, é ela a salvadora da pátria nas saídas das baladas da Augusta.

Logo ao lado do Inferno, no número 479, seja de manhã, à tarde ou na madrugada, é improvável encontrar uma coxinha de massa mole e passada. Isso porque, além da receita garantir gosto e textura, as coxinhas são fritas de duas em duas horas, no máximo. Se pedir, dá pra fritar na hora. Aí é amor na certa.

Numa dessas, apaixonada pela coxinha, uma de nossas colaboradoras (vamos chamá-la de Tequila) chegou a casar instantaneamente com o dono do bar.

Kaká vende de 80 a 100 coxinhas por dia, e quando chega em casa, encontra a mãe e a mulher fazendo salgados para o dia seguinte. Nada é congelado, senão perde o sabor.

Me come, hoje é sexta!

As lendas

O Pops, com este nome, existe há 36 anos, mas a coxinha da mãe do Kaká chegou na Augusta em 1993, com a compra do bar que carrega lendas. Dizem que ali, no porão, os Mutantes ensaiavam. Foi ali também, DIZEM, que Raul passou antes de morrer no apartamento onde morava, na Rua Frei Caneca. Hoje, uma estátua de Raul Seixas mora em um pedestal dentro do bar.

Pops, Bar do Kaká, Bar do Raul. O nome não importa.

Veja lá, mas não espalhe:

A coxinha: R$ 2,50

Pops Augusta, 479

De segunda a quinta, das 7h às 00h

Sexta e sábado, das 7h até às 6h do dia seguinte. (Fecha uma hora para limpeza do bar)

iPad baby

September 19, 2012

Vivemos numa era narcísica. Mas o narcisismo pode assumir formas mais sofisticadas do que ficar se olhando no espelho e escrevendo imbecilidades no Facebook: “Olha eu vomitando!”.

Mesmo ter filhos, hoje, pode ser uma das faces mais comuns do narcisismo. Ter filho é narcisismo quando ele é parte de seu ferramental de sucesso: trabalho, casa própria, sexo saudável, carro novo, ioga, alimentação balanceada, filho.

Quando vir uma mãe tirando muitas fotos histéricas dela mesma com seu filho, saiba que você está diante de um poço de narcisismo que afoga a pobre criança num mar de projeções de si mesma. Segura o filho nas mãos como troféu de sua própria suposta beleza e saúde.

Sim, ser mãe pode ser objeto de enorme crítica. Ou pai. Falar mal da maternidade ou paternidade é para iniciantes e coisa de crítica festiva.

Mães são autoritárias, chantagistas, loucas, ausentes, presentes demais, enfim, infernais às vezes. Mas hoje, numa época dominada pela covardia chique, que teme dizer seu nome, covardia, covardia, covardia, podemos fazer um discurso chique para negar a maternidade.

Com isso não quero dizer que toda mulher deva ser mãe. Longe de mim achar isso. Acho que você pode não ser mãe e não ser ridícula por isso. Suspeito apenas da negação da maternidade quando ela vem acompanhada de uma “ira contra a mãe” ou quando vem acompanhada de alguma “teoria” contra a maternidade. Sempre suspeito de teorias e não de práticas.

Trata-se de um caso semelhante ao ateísmo: todo ateísmo militante é infantil e reativo. Toda crítica à maternidade é infantil e reativa. Um ateu e uma mulher que não quer ser mãe devem ser blasé com relação a Deus e a ter filhos. Se o lábio tremer ao falar de Deus e das mães, você está diante de um ressentido.

O filósofo francês do século 17, Blaise Pascal, dizia que variamos as formas de “divertissement” (divertimento, autoengano), mas a fuga sempre fracassa. Sempre reencontro a causa da minha fuga, o medo do vazio. O narcisista é uma criança em pânico diante desse vazio.

Vivemos a época mais covarde da história humana. A emancipação moderna se revelou um retrocesso em termos de coragem: todo mundo tem medo, mas nega e critica as formas de vínculos afetivos longos (maternidade, paternidade, casamento, etc.) para não enfrentar seus fracassos afetivos. Sou um miserável solitário, mas minto dizendo que escolhi sê-lo.

Mas voltemos ao filho como troféu narcísico. Outro dia, num desses domingos preguiçosos (o ócio nos aparenta aos deuses), fui almoçar, minha mulher e eu, num desses lugares frequentados pela classe chique da zona oeste paulistana. Uma região habitada por “bikes”. Precisa dizer qual é?

Interessante como gente pobre sempre andou de bicicleta, mas agora, quando a bicicleta virou “bike”, virou assunto da prefeitura. O trânsito, sofrido, tem que abrir espaço para as “bikes”.

Em Copenhague, capital da Dinamarca, uma das capitais mundiais das “bikes”, podemos ver o “ethos” dessa moçada que se acha salvadora do mundo: lá eles atropelam gente e caminhões, movidos pela sua consciência de (falsa) superioridade moral urbana. Aqui já começa o mesmo processo.

Mas dizia que estávamos num desses restaurante “descolados”, mas rotineiros, da classe chique da zona oeste paulistana. Perto, um casal “desfilava” seu filho. Durante algum tempo, todo mundo era obrigado a ouvir a beleza estridente da maternidade narcísica.

Trajes descolados, jeans rasgados e caros, camisetas tipo Hering, tênis surrados. Cabelos assanhados no modo correto, iPhones, bebê brincando com iPad, risadas altas.

A criança, coitada, era quem menos gritava. Os pais, já os pais, estes faziam tudo para ele berrar, como numa demonstração de que, sim, “somos pais descolados que amam seu filho e
queremos que ele grite e brinque para mostrar que não o reprimimos”. O filho ali tinha o mesmo estatuto que o iPad: um trunfo numa era narcísica. Assim como um carro coreano branco enorme.

E fotos, muitas fotos, em todas as posições imagináveis em meio à pasta de domingo. Imagino que postaram no “Face”.

April 27, 2012

April 26, 2012

Tom Waits+Bukowski

April 26, 2012

April 24, 2012

Run!

April 20, 2012

“Cuidado com os burros motivados”

April 20, 2012

Observador contumaz das manias humanas, Roberto Shinyashiki está cansado dos jogos de aparência que tomaram conta das corporações e das famílias. Nas entrevistas de emprego, por exemplo, os candidatos repetem o que imaginam que deve ser dito. Num teatro constante, são todos felizes, motivados, corretos, embora muitas vezes pequem na competência. Dizem-se perfeccionistas: ninguém comete falhas, ninguém erra. Como Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) em Poema em linha reta, o psiquiatra não compartilha da síndrome de super-heróis. “Nunca conheci quem tivesse levado porrada na vida (…) Toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipe”, dizem os versos que o inspiraram a escrever Heróis de verdade (Editora Gente, 168 págs., R$ 25). Farto de semideuses, Roberto Shinyashiki faz soar seu alerta por uma mudança de atitude. “O mundo precisa de pessoas mais simples e verdadeiras.”

Istoé -Quem são os heróis de verdade?

Roberto Shinyashiki –

Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro importado,
viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são tratadas como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida, a maioria se convence de que não valeu a pena porque não conseguiu ter o carro nem a casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na minha casa possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitir que erraram.

Istoé -O sr. citaria exemplos?

Roberto Shinyashiki –

Dona Zilda Arns, que não vai a determinados programas de tevê nem aparece de Cartier, mas está salvando milhões de pessoas. Quando eu nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos, empregado em uma farmácia. Morávamos em um bairro miserável em São Vicente (SP) chamado Vila Margarida. Eles são meus heróis. Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje estão bem. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa em que está escrito “100% Jardim Irene”. É pena que a maior parte das pessoas esconda suas raízes. O resultado é um mundo vítima da depressão, doença que acomete hoje 10% da população americana. Em países como Japão, Suécia e Noruega, há mais suicídio do que homicídio. Por que tanta gente se mata? Parte da culpa está na depressão das aparências, que acomete a mulher que, embora não ame mais o marido, mantém o casamento, ou o homem que passa décadas em um emprego que não o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir seguro.

Istoé -Qual o resultado disso?

Roberto Shinyashiki –

Paranóia e depressão cada vez mais precoces. O pai quer preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês, informática e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única coisa que prepara uma criança para o futuro é ela poder ser criança. Com a desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a infância dos filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e terão discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo corporativo.

Istoé -Por quê?

Roberto Shinyashiki –

O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais marketing pessoal. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a competência. Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que respondia todas as minhas perguntas com uma ou duas palavras. Disse que ela não parecia demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito interessada, mas, como falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a um emprego na contabilidade, e não de relações públicas. Contratei na hora. Num processo clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa.

Istoé -Há um script estabelecido?

Roberto Shinyashiki –

Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um presidente
de multinacional no programa O aprendiz? “Qual é seu defeito?” Todos
respondem que o defeito é não pensar na vida pessoal: “Eu mergulho de
cabeça na empresa. Preciso aprender a relaxar.” É exatamente o que o chefe
quer escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser desorganizado
ou esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma
forma, na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder.
O vice-presidente de uma das maiores empresas do planeta me disse: “Sabe, Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem mentir.” Isso significa que quem fala a verdade não chega a diretor?

Istoé -Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?

Roberto Shinyashiki –

Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se preparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se preocupam com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função para a qual não está preparado. Fui cirurgião e me orgulho de nunca um paciente ter morrido na minha mão. Mas tenho a humildade de reconhecer que isso nunca aconteceu graças a meus chefes, que foram sábios em não me dar um caso para o qual eu não estava preparado. Hoje, o garoto sai da faculdade achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou incompetente e não acordou para isso.

Istoé -Está sobrando auto-estima?

Roberto Shinyashiki –

Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o ter conseguia substituir o ser. O cara mal-educado dava uma gorjeta alta para conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As pessoas parece que sabem, parece que fazem, parece que acreditam. E poucos são humildes para confessar que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil que preferem dizer que é melhor assim. Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de que está tudo bem.

Istoé -Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos perfeitos em tudo e de valorizar a aparência?

Roberto Shinyashiki –

Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando os heróis. Quem vai salvar o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O técnico. Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que eles não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia: “Quando você quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com uma crise de diarréia durante um jantar no Palácio de Buckingham.” Pode parecer incrível, mas a rainha Elizabeth também tem diarréia. Ela certamente já teve dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que não deram certo. A gente tem de parar de procurar super-heróis. Porque se o super-herói não segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.

Istoé -O conceito muda quando a expectativa não se comprova?

Roberto Shinyashiki –

Exatamente. A gente não é super-herói nem superfracassado. A gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de errado nisso. Hoje, as pessoas estão questionando o Lula em parte porque acreditavam que ele fosse mudar suas vidas e se decepcionaram. A crise será positiva se elas entenderem que a responsabilidade pela própria vida é delas.

Istoé -É comum colocar a culpa nos outros?

Roberto Shinyashiki –

Sim. Há uma tendência a reclamar, dar desculpas e acusar alguém. Eu vejo as pessoas escondendo suas humanidades. Todas as empresas definem uma meta de crescimento no começo do ano. O presidente estabelece que a meta
é crescer 15%, mas, se perguntar a ele em que está baseada essa expectativa, ele não vai saber responder. Ele estabelece um valor aleatoriamente, os diretores fingem que é factível e os vendedores já partem do princípio de que a meta não será cumprida e passam a buscar explicações para, no final do ano, justificar. A maioria das metas estabelecidas no Brasil não leva em conta a evolução do setor. É uma chutação total.

Istoé -Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?

Roberto Shinyashiki –

Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz minha vida fluir facilmente. Há várias coisas que eu queria e não consegui. Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos). Meu filho mais velho nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos. Com uma criança especial, eu aprendi que ou eu a amo do jeito que ela é ou vou massacrá-la o resto da vida para ser o filho que eu gostaria que fosse. Quando olho para trás, vejo que 60% das coisas que fiz deram certo. O resto foram apostas e erros. Dia desses apostei na edição de um livro que não deu certo. Um amigão me perguntou: “Quem decidiu publicar esse livro?” Eu respondi que tinha sido eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.

Istoé -Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?

Roberto Shinyashiki –

O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas. A primeira é precisar de aplauso, a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é buscar segurança. Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem por isso desistiram. Hoje, o erro das escolas de música é definir o estilo do aluno. Elas ensinam a tocar como o Steve Vai, o B. B. King ou o Keith Richards. Os MBAs têm o mesmo problema: ensinam os alunos a serem covers do Bill Gates. O que as escolas deveriam fazer é ajudar o aluno a desenvolver suas próprias potencialidades.

Istoé -Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?

Roberto Shinyashiki –

A sociedade quer definir o que é certo. São quatro loucuras da sociedade. A primeira é instituir que todos têm de ter sucesso, como se ele não tivesse significados individuais. A segunda loucura é: “Você tem de estar feliz todos os dias.” A terceira é: “Você tem que comprar tudo o que puder.” O resultado é esse consumismo absurdo. Por fim, a quarta loucura: “Você tem de fazer as coisas do jeito certo.” Jeito certo não existe. Não há um caminho único para se fazer as coisas. As metas são interessantes para o sucesso, mas não para a felicidade. Felicidade não é uma meta, mas um estado de espírito. Tem gente que diz que não será feliz enquanto não casar, enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do casamento. Você precisa ser feliz tomando sorvete, levando os filhos para brincar.

Istoé -O sr. visita mestres na Índia com freqüência. Há alguma parábola que o sr. aprendeu com eles que o ajude a agir?

Roberto Shinyashiki –

Quando era recém-formado em São Paulo, trabalhei em um hospital de pacientes terminais. Todos os dias morriam nove ou dez pacientes.
Eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A maior parte pega o médico pela camisa e diz: “Doutor, não me deixe morrer. Eu me sacrifiquei a vida inteira, agora eu quero ser feliz.” Eu sentia uma dor enorme por não poder fazer nada. Ali eu aprendi que a felicidade é feita de coisas pequenas. Ninguém na hora da morte diz se arrepender por não ter aplicado o dinheiro em imóveis. Uma história que aprendi na Índia me ensinou muito. O sujeito fugia de um urso e caiu em um barranco. Conseguiu se pendurar em algumas raízes. O urso tentava pegá-lo. Embaixo, onças pulavam para agarrar seu pé. No maior sufoco, o sujeito olha para o lado e vê um arbusto com um morango. Ele pega o morango, admira sua beleza e o saboreia. Cada vez mais nós temos ursos e onças à nossa volta. Mas é preciso comer os morangos.